O AMOR É UM PEIXE GRANDE

por Marcelo Niel

Sim, é possível morrer de amor. E a alma sabe disso. E os trovadores românticos tinham razão: dor de amor dói no peito. Sempre que penso em dores de amor, viajo diretamente às aulas de literatura nos tempos de cursinho pré-vestibular.

Imediatamente vem à minha mente as cartas de amor da Soror Marilena do Alcoforado, que se apaixonou aos vinte e poucos anos,  da sacada do convento, pelo oficial francês Marquês de Chamilly, nos idos 1668.  Suas cartas de amor, encontradas séculos após sua morte, foram incluídas no bojo da produção literária do romantismo. Dá prá sentir a sua dor, seu desespero de amor, ao ler as suas cartas:

” (…) A tua ausência, alguns impulsos de devoção, o receio de arruinar inteiramente o que me resta de saúde com tanta vigília e tanta aflição, as poucas possibilidades do teu regresso, a frieza dos teus sentimentos e da tua despedida, a tua partida justificada com falsos pretextos, e tantas outras razões, tão boas como inúteis, prometiam ser-me ajuda suficiente, se viesse a precisar dela. Não sendo, afinal, senão eu própria o meu inimigo, não podia suspeitar de toda a minha fraqueza, nem prever todo o sofrimento de agora.”

Doença

Você certamente já ouviu histórias de pessoas que morrem de verdade ou adoecem profundamente após serem traídas ou abandonadas, ainda no dias de hoje. Pessoas  que sofrem desmesuradamente com a paixão ou com o abandono e chegam a sentir uma grande dor no peito, uma pressão uma sensação de opressão, como se o coração parasse de bater. Cuidado: isso pode ser um infarto.

Em 1990, médicos japoneses descreveram a “Síndrome de tako-tsubo”, carinhosamente chamada de “Síndrome do coração partido”: mulheres com mais de 40 anos que apresentavam no eletrocardiograma sinais de um infarto do miocárdio  após um rompimento amoroso. Tako-tsubo é o nome que se dá a uma armadilha para pescar tubarões.

Sim, o amor é um peixe grande e pode ser também uma grande armadilha. As mulheres estudadas não chegaram a morrer, mas ficaram com uma cicatriz física, uma marca indelével daquela dor da alma. Sobreviveram. Fico imaginando quantas e quantos já morreram de amor.

Paixão

Provavelmente, a única prevenção é não se apaixonar. E muitas pessoas, após diversas decepções amorosas, escolhem esse caminho: desistir. Mas há quem não desista  nunca e continue sempre correndo atrás dessa “dorzinha gostosa”, essa dor que é ruim, mas também pode ser boa.

Do ponto de vista médico,  há uma relação bem determinada entre esses eventos,  sendo a  depressão considerada hoje um fator de risco para o infarto. Antidepressivos não curam “dor de cotovelo”, mas se a pessoa estiver muito mal, se a dor da alma, a tristeza, não diminuírem com o tempo ou aumentarem, pode ser sim um sinal de depressão. E daí as pílulas da felicidade podem até funcionar.

Agora, se a dor da alma for tanta e vazar da alma para corpo e fizer o peito doer, corre num pronto-socorro e faz um eletrocardiograma, ok?

Marcelo Niel, paulista, 39 anos, é psiquiatra e psicoterapeuta, escritor, blogueiro e agitador cultural. Lançou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2010, o Prosas, Macumba e Cafezinho, pela Editora Scortecci.

http://www.paupraqualquerobra.com.br/2013/04/14/e-possivel-morrer-de-amor/#ixzz2cUNtWlwt