Perspectivas que deram muito o que pensar
Neste ano que passou, aprendi que muitas vezes a realidade suplanta a lógica. Pode-se construir um raciocínio perfeito, analogias aparentemente impecáveis, tentar simetrizar situações à vontade, dizer “isso abre um precedente perigoso”, “mas se X pode, você dá direito a Y também” etc. Ok. Mas, apesar de vivermos em uma sociedade racionalista, a gente não vive em uma fórmula matemática e os fatores não são números frios; são vidas. E, humanos que somos, podemos escolher um lado pra nos importar. É quase inevitável, aliás.
E é normal que uns estejam mais cansados que outros, mais irritados, mais fartos de injustiças, mais putos da cara por ter direitos básicos negados. Que estejam cansados dos mesmos argumentos toscos e de pedidos falsos de diálogo e conciliação. Que às vezes aumentem o tom e até “passem do ponto”. Especialmente quem está basicamente em uma luta por respeito (mais do que por identidade), que é o que mulheres, negros, gays, bis, trans, pessoas gordas etc tem em comum. Pelo direito a existir e ser tratado como humano. É o básico do básico, sabe? E como ninguém é uma coisa só, a trama é complexa e nunca sem conflito. Mas avança mesmo assim, desde que o mundo é mundo.

Na seleção de textos que me fizeram pensar este ano, tem muito conteúdo ligado a racismo, especialmente porque foi um período em que me caíram várias fichas a respeito. Paradoxalmente, não foram textos lidos que mais mexeram comigo a respeito de assuntos espinhosos como apropriação cultural e lugar de fala, mas ver eles confirmados através de algumas atitudes absolutamente vergonhosas de amigos brancos. De boas intenções até, mas sem sensibilidade para perceber que o meio (o emissor) é a mensagem; sendo veículos de reprodução de opressões seculares, reforçando estereótipos ou acometidos da síndrome-da-princesa-isabel, e até tentando silenciar quem já é silenciado em nome de um não-silenciamento… Um show de horror — e também um espelho. Um símbolo de algo de quero cada vez mais me distanciar.
Agradeço por poder observar esse cenário e suas dinâmicas, perspectivas diferentes, ouvir tantas vozes diversas e muitas vezes discordantes, misturar esse caldo e me alimentar dele. Porque há tempo pra falar e pra calar, pra agir e pra observar.
Como no hexagrama 64, do I-Ching, Wei Chi – Antes Da Conclusão, cuja simbologia é uma raposa caminhando cuidadosamente sobre um rio congelado, atenta a qualquer ruído para identificar um possível rompimento. “Quando estamos com um problema, ter uma boa perspectiva dele é fundamental. Sem isso, dificilmente as soluções surgem. Para superar os perigos, é preciso claridade. Antes da luz, porém, deve vir a quietude interior”.
Então estaremos prontos para cruzar o grande rio. Ele espera por nós.
(ih, fiz textão.)
1. Treta, ops, expressão do ano
O que é “lugar de fala”? Entenda:
2. Feminismo
Como é ser mulher hoje? Desafios e encheções de saco que não aguentamos mais
https://www.cartacapital.com.br/diversidade/adeus-mano-velho
3. Questões de gênero
4. Racismo
Como brancos reagem a críticas? Onde o racismo se esconde nas pessoas bem-intencionadas? Como racismo afeta estruturalmente a vida dos negros?
5. Apropriação cultural
A dificuldade de entender o significado das coisas
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-alegoria-do-turbante-no-carnaval-de-racismo
6. Corpo: padrões estéticos e gordofobia
Por que é tão difícil deixar as pessoas serem como elas são
7. Desigualdade social
Política econômica e você
Menção honrosa
Direitos humanos, homofobia, família, jornalismo; não teve um canto onde esse texto não deixou entrar luz
Lembrou de algum texto ou assunto que poderia ou deveria estar nessa lista? Agradeço se sugerir.